Agradeço o convite que a ECF fez ao Conselho da AMP porque isto me permite compartilhar com vocês, hoje, algumas questões referidas ao tema do VII Congresso da AMP, proposto por J-A. Miller.
O título do Congresso tem um traço que caracteriza o modo de transmissão de J-A Miller, trata-se de um emparelhamento, um binário, que evoca o de "inconsciente-sintoma", mas desta vez, a escolha do título traduz um deslocamento na direção do último ensino de Lacan, portanto, a referência é ao sinthoma e seu parceiro que, nesta oportunidade, é o semblante.
Trata-se, somente, de diferenciá-los? Qual relação é possível estabelecer entre estes dois conceitos? Que conseqüências tem para o semblante a presença do sinthoma?
Em relação com o sintoma, situamos um primeiro momento dominado pela relação entre S1 e S2. Assim, o sintoma aparece definido como uma formação do inconsciente. Mais adiante, quando Lacan introduz o objeto a como condensador de gozo, o sintoma vai tomando certa independência, até Lacan chegar a colocar que o sintoma se basta a si mesmo porque sua natureza é gozo e só se articula ao inconsciente através da transferência. Isto nos permite situá-lo do lado do inconsciente transferencial.
Todavia, no último trecho do ensino, o sinthoma faz sua aparição como um misto entre sintoma e fantasma. Esta época está caracterizada pelo "há Um", pelo S1 só sem o Outro, o significante não está reduzido à sua articulação com outro significante e isto nos permite situá-lo do lado do inconsciente real.
Nesta divisória de águas, o semblante fica do lado do inconsciente transferencial, enquanto que o sinthoma fica do lado do inconsciente real.
Vemos, então, que nosso par se ordena em registros diferentes: o sinthoma no registro real e o semblante, na medida em que se sustenta no discurso tal como o afirmara Lacan: "não há discurso que não seja de semblante"[10], o semblante se situa nos registros imaginário e simbólico. Nesse sentido, o semblante como categoria, é oposto ao real.
Outra diferença que devemos assinalar é que, quando falamos de semblante, falamos de linguagem, contudo quando falamos de sinthoma, falamos de alingua, onde S1 está desvinculado do Outro.
Mas meu interesse centra-se não tanto em assinalar as diferenças entre ambos, mas em interrogar quais seriam as conseqüências para os semblantes de um sujeito, a partir da localização do sinthoma em uma análise. Se o "savoir y faire" com o sinthoma é o saber fazer aí com isso, levando em consideração a advertência de Miller, ao finalizar a apresentação do tema em Buenos Aires, quando ele nos disse "não apagar o semblante, mas recuperá-lo"[11]: quais seriam os efeitos sobre os semblantes depois do percurso de uma análise?
Para poder avançar com esta pergunta incluirei o que eu chamaria de um duplo estatuto do semblante. De um lado, o que na linguagem clássica se entende como semblante, isto é, aquilo que aparece do que é e, portanto, o uso que ainda se faz da expressão "falso semblante" (faux semblant)[12], a aparência falsa, algo que funciona encobrindo o que é.
Desta perspectiva situo uma diferença entre os falsos semblantes que tendem para o desconhecimento de um real que os determina, dos verdadeiros semblantes, que estão orientados pelo real e, por sua vez, regulam o real do gozo.
A pergunta que coloco, então, é quanto ao lugar do semblante em uma análise e quanto ao destino dos falsos semblantes no final de uma análise. Para tentar responder algumas destas perguntas, lembremos que, para Lacan, o semblante está na natureza[13], o que justifica que ele fale da natureza dos semblantes, incluindo nesta categoria todo o que fica por fora do real, o falo, o pai, o SsS, etc. Isto nos autoriza, então, a afirmar que, com relação aos semblantes, há alguns que têm a função de encobrir, de desconhecer, enquanto outros têm o poder que lhes outorga sua função reguladora.
Neste sentido, temos que entender o que, no ensino de Lacan, se chama de semblantização, quer dizer, a eficácia do semblante. Sob esse ponto de vista, tem semblantes, como o Nome-do-Pai, que tem conseqüências na direção da cura.
Lembremos as palavras de Miller na apresentação do tema: "a análise utiliza o pai, utiliza um significante Uno que permita a leitura dessa opacidade, trata-se de fazer uma parte transparente, mas utilizando o semblante de um significante Uno"[14]. Vemos aqui o uso do semblante, o Nome-do-Pai, como instrumento do analista na cura.
É, justamente, a partir do uso do semblante na cura que se pode avançar para além dos falsos semblantes, na medida em que respondem ao desejo do Outro. O exemplo paradigmático o encontramos na estrutura histérica[15].
Os verdadeiros semblantes são os que se sustentam do sinthoma, são semblantes que adquirem uma eficácia vinculada ao sinthoma como "savoir faire". O "savoir y faire" com o sinthoma permite ao analista ir além do semblante, sob a condição de se servir dele.
O analista faz semblante de saber na experiência analítica[16], mas esse fazer semblante de saber não tem a ver com o sentimento vago de fazer como se o analista soubesse. Na realidade, o analista está à espera de aprender algo do paciente. O Sujeito Suposto Saber é um semblante, mas não se trata de um truque, de uma simples aparência, coisa que nos faria pensar em um falso semblante, mas trata-se de um fenômeno natural da experiência analítica que pertence à estrutura do ato. Neste ponto distinguimos o falso semblante, aquele que é útil ao desejo do Outro, do verdadeiro semblante que permite ao desejo do analista efetuar sua transmissão no ponto onde o próprio analista é interpelado por sua própria intervenção. |